quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

redondice

aquele mundo era redondinho. ah arestas incomodam, não? mas sim, que ótimo, tudo redondinho.

ela tinha aquelas formas arredondadas e aconchegantes, bochechas fartas e rosadas, olhos mais do que amendoados, perfume doce e fala suave. vestido rodado pra combinar com toda aquele conjunto bem formulado de redondice.

pegar naquilo era confortável. tinha, porém, um retrogosto incômodo, um vazio chatinho e gritante. mas que diabos, que bosta?

era aquela porcaria de redondo previsível que estava começando a cultivar algum enjoozinho. eu estou rezando por uma aresta, estou procurando sarnas de arestas para me coçar. diacho.

logo ao lado tinha aquela outra. não toda torta, não é assim também né. mas ela tinha um olhar cortante como um cutelo reto. opa... reto. era um olhar seco, direto e reto. aquela necessidade do aconchegante esvaiu. prefiro desenjoar. prefiro lidar com esses ângulos, essas arestas. essa coisa interessante e complicada... interessante, enfim.

ouvindo: album afasia - dead fish

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

apartamentos

o que você faz por vontade própria? quem você simplesmente ama e não vê como isso poderia ser de outro modo? esteja essa pessoa viva ou morta, perto ou longe, presente ou ausente, mais ausente do que presente. atualmente ausente. detalhe irrelevante para um contexto geral.

o que te faz gostar especialmente de alguém?

sabe, eu fico aqui no escuro vendo o movimento nas sacadas do prédio da frente. será que a vida deles é fria como a lâmpada que eles escolheram? será que essas luzes de natal correspondem a um espirito natalino vívido ou é apenas um protocolo da família? eu não vejo ninguém pelado lá do outro lado. então acho que eles também não vêem nada aqui.

no que você está pensando agora?

acho que ninguém mora sozinho lá, os apartamentos são grandes. azar deles, têm menos tempo para ler bons livros. morram de inveja de mim aqui, aqui dessa janela que tem persiana. eles nem me conhecem direito, a minha prateleira ainda está bem vazia, como vão se apaixonar por mim se não sabem do que gosto, se não sabem que eu tenho uma montanha de livros?

eles não enxergam nada lá do outro lado. e também não têm tempo sobrando pra ficar imaginando como é a vizinha deles. se ela gosta de piano ou de livros sobre cachorros.

ouvindo: when i was your man - boyce avenue

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

imunidade

mais um ano com essa infecção chatinha. me vê um potinho de penicilina, vamos acabar logo com isso. a virada do ano está chegando e esta é uma ótima oportunidade para cortar o mal pela raiz.

já não acha que juntou material suficiente para resolver essa situação? claro que sim.

chegou a hora de medir, de pesar, de avaliar tudo. quanto custa por mês essa manutenção? quanto estou gastando e... o que estou deixando de ganhar? é incrível o estrago que uma doença crônica pode fazer com uma pessoa. febrículas enuviam o pensamento. ora, eu não sou melhor que um enjoozinho barato?

tenho quarenta dias. o segredo para fortalecer a imunidade está aqui dentro. e é pra lá que eu vou.

ouvindo: dreaming out loud - one republic

domingo, 10 de novembro de 2013

paz

paz é um lugar muito agradável. não é um sentimento cômodo e conveniente, como eu imaginava. é apenas exatamente do jeito que deveria ser.

a coisa certa a se fazer nem sempre está escrita nos livros de autoajuda, nos manuais de boas maneiras nem na legislação de qualquer país. algumas coisas não devem passar por um comitê de ética formado por uma equipe com moral e caráter superior que a média da população. não é assim que funciona.

coloque alguém no extremo. as reações são humanas, não poderia ser diferente disso. e o humano é isso, esse conjunto de arestas, vivências particulares, medos, conhecimentos, turbulências, opiniões duras como pedra num dia e moles como gohan no outro.

deixe as regras de lado um pouco. dispa-se de fatores externos. vá para dentro, passe pela sua mente, pelo seu raciocínio (que está longe de ser lógico), aprofunde um pouco mais e chegue no seu coração. eu sei, parece brega. mas me diga sinceramente: o que ele lhe diz para fazer?

e então você vai encontrar as respostas certas, e vai encontrar também a paz.

ouvindo: album piano opus - brian crain

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

cores

a morte de um personagem conhecido é mais penosa do que o nascimento de um humano desconhecido. ah eu gostava daquele personagem sabe. fui eu que criei, ele tinha o cabelo lisinho e a barriga gelada. ele tinha uma cor bonita. várias cores.

ele nasceu humano e perdeu a cor. todas as cores. não gostei do que eu vi, mesmo tendo o mesmo formato. 

está na hora de deixá-lo ir.

ouvindo: sigur ros

sexta-feira, 19 de julho de 2013

richard

richard não tinha assim quase nada de mais. eu o conheci tão pouco, peguei os detalhes que deu tempo e apreciei. cada pessoa tem uma música para ajudar na minha memória, mas ele tem um rol de músicas, um negócio que lembra o mesmo gosto, um perfume que lembra aquele dia, um livro, etc.. dois. dois livros.

ouvindo: peponi - the piano guys

segunda-feira, 15 de julho de 2013

holofotes

i need some sleep. you can't go on like this. i try counting sheep, but there's one i always miss.

esse universo paralelo é subterrâneo, é tão subterrâneo que não chega luz natural. tem esse jogo irritante de luzes artificiais e a gente se sente enganado o tempo todo, achando que estão manipulando a nossa percepção visual e a nossa vontade.

colocaram os holofotes quentes e brilhantes sobre coisas que nem sei se quero assim tão ofuscantes. eu fecho os olhos e essas coisas continuam brilhando na minha frente. acordo e estão na minha frente. brilhando.

olha só essa pele. será que lá fora, sob o sol, será que mesmo assim tem esse vigor? ah deixa assim, é tão bonito nesse jogo de luzes. aqui ele é bonito. eu sei que lá fora também. mas aqui é o subterrâneo, e isso é bonito também.

ninguém entra aqui. pô, ninguém entra aqui, você ouviu isso? então quem... acho que sou eu que estou manipulando os holofotes. admita. estou sim, e é uma ordem louca e interna. vou prosseguir.

everyone says i'm getting down to low

ouvindo: eels - i need some sleep jacm remix

terça-feira, 25 de junho de 2013

burn

she said i'm going to buy this place and burn it down, i'm going to put it six feet underground

eu não sinto falta e nem saudades do tempo da candura que reinava pura e saltitante pelos campos verdes do meu ser. acho que foi-se o tempo em que a inocência era bonita. qualquer idiota pode ser inocente, então de onde tiraram isso de ser belo? a pessoa nasce assim. todos nascem assim.  realmente não vejo como algo que não se conquista tem tanto valor.

pois eu vou te contar um segredo. venho cultivando fogo há uns anos. mais seriamente há dois anos. e estou constantemente trabalhando nisso como um projeto. me queimei algumas vezes aí, foi complicado no começo mas agora tenho orgulho de ter quase tudo sob controle.

because i'm going to buy this place and see it burn. do back the things it did to you in return

ouvindo: a rush of blood to the head - coldplay

segunda-feira, 24 de junho de 2013

agrura

essa sensação taciturna é confortável, é familiar. esse autismo é desejável. essa melancolia sisuda é um deleite e um alívio. e tudo isso é excessivo demais, lírico demais e do jeito que eu gosto: literário demais.

eu ainda não atingi o nível de agrura que gostaria, me gusta alimentar isso pois é quando escrevo melhor. na minha concepção de melhor. e o ambiente já não me proporciona mais isso. não me abala mais. vou buscar alcançar isso com o que ponho pra dentro. e então eu não preciso de doces. não mais. preciso do que é amargo.

ele consegue injetar uma dose de tempestade nos meus ânimos. mas até quando? já não é a mesma coisa. estou ficando fria, calculista e inabalável.

vou ficar quieta. vou parar de comer doces. e assim vou alimentar o meu lado agro.

ouvindo: the scientist - coldplay

quarta-feira, 19 de junho de 2013

dele

pra dizer bem a verdade ela não gostava de nenhum daqueles caras. eles eram meras lembranças de uma só pessoa. traziam apenas resquícios de características dele. e era só essa parte que interessava. pouco importa o quanto as pessoas são descartáveis numa hora dessas, porque ela aprendeu a ser ligeiramente cruel.

nós não escolhemos racionalmente de quem gostar, a reações químicas entre as pessoas é que  atuam nisso. as forças maiores. fatores invisíveis e desconhecidos.

e ela gostava dele e ponto. inquestionável e irreversível.

ouvindo: amsterdam - coldplay

domingo, 9 de junho de 2013

virgem

ah, ponha a justificativa no signo de virgem. não, estou falando de mim. enfim...

vamos ser racionais demais, vamos continuar sisudos. vamos manter a preferência por tudo quanto for linguagem técnica, vamos expressar afeto somente pelos nossos cães. vamos nos identificar um com o outro, espelhar nossas peculiaridades, apreciar a nós mesmos, criticar nossos comportamentos similares. vamos manter esse encanto que temos um com o outro, vamos continuar a ser nós mesmos. vamos dormir? não, vamos ficar aqui pensando mais um pouco...

vamos ser gentis, como sempre. vamos prosseguir tentando fazer as coisas o mais próximo do perfeito. vamos enganar todo mundo fazendo eles pensarem que o nosso sexo também é técnico demais. não, não é. vamos manter essa persona marcante, vamos continuar a ser chatos? sim, isso é inevitável... vamos sim.

ouvindo: in the morning - mallu magalhães

arrogância

"ela sai correndo de qualquer um que grudar nela..."

pois ela tem razão, eu saio mesmo. recentemente eu recebi o auto-diagnóstico de arrogância. e me mantenho enferma desde então. é uma patologia curiosa, eu analiso os sintomas, faço uma retrospectiva e tenho a impressão de que sofro disso há tempos. não acho que tenho motivo para me preocupar, essa situação crônica é estável e consigo controlar sem remédios.

dos mecanismos de defesa este é um dos mais legais, não acha?

ouvindo: lovesong - adele

domingo, 12 de maio de 2013

assumir

perder o namorado era motivo para desespero no passado. eu espero que isso permaneça no passado, porque ando muito afim de me desesperar por motivos mais fortes. muito mais fortes.

quero preocupar-me com passos largos, contas a pagar... contas grandes e gordas. o preço alto e adrenalinoso da independência e da fase adulta. quero pagar a luz e a água que consumo, cada metro quadrado do chão que eu piso, quero cozinhar o que como e ter o apartamento todo impregnado com o meu cheiro. quero me preocupar com a produção de um livro. com a árdua publicação de um livro. quero essa capacidade de criar, condensar em papel e provocar a sensação nos outros de que valeu a pena ter lido. que incomodou em algum lugar.

ah sim. e um namoro deve agregar coisas boas e trazer novidades. ok, eu permito isso na minha vida atualmente. não tenho mais uns medos bobos de antes. vamos lá, vamos assumir e entrar de cabeça numa proximidade com alguém que vale a pena. vamos baixar a guarda e nos deixar vulnerabilizar por alguém que mexe com a gente. vamos nos permitir. o prazer dessa companhia dissolve o temor do compromisso e pra falar bem a verdade: faz tempo que não me sentia contente.

e eu disse para a minha mãe "pô, será que foi a caipirinha que me deixou alegre assim de repente?". e ela "não, você está assim desde ontem. é ele que deixa você assim". quem ele o que. que? mas eu nem disse nada de mais e... tá. tá bom vai. sábia mamãe.

ouvindo: madri - fernando & sorocaba

terça-feira, 7 de maio de 2013

dois mundos

sabe, eu não tenho mais vinte anos. estou beirando os trinta. acho que já sei alguma coisa da vida.

nos últimos dois anos estive aprendendo coisas importantes. tenho a impressão de que a coisa mais importante que aprendi foi o seguinte.

nunca, em hipótese alguma, dependa de outra pessoa para se realizar.

isso significa que você acaba fazendo planos para... comprar um apê sozinha, ter um filho sozinha (claro que, com o cuidado de escolher bons genes), ter um cão sozinha, trabalhar para sustentar-se sozinha, desenvolver paixões solitárias, dar um jeito de passar a maior parte do tempo sozinha.

e também significa que você acaba boicotando todas as chances de ter um relacionamento, acaba abominando casamentos (eles são temporários, sei bem), acaba afrouxando os laços de amizade, criticando as pessoas que sonham em encontrar amor, acaba perdendo a sensibilidade e acaba não conseguindo exercer a maior paixão solitária que é escrever. a maior paixão de todas. gostaria tanto de escrever bem. intensamente.

porque ser realista é um troço tão maçante que vai podando todos os galhos das emoções intensas. eu não quero mais vivenciar emoções intensas, tem razão. mas eu queria escrevê-las. e definitivamente não estou conseguindo. o que era para ser bom está virando um monte de relatórios estatísticos cuidadosos e pessimistas. uma grande porcaria.

estou beirando os trinta. não tenho mais vinte. não me atrevo a apaixonar-me por pessoas nem que me paguem todo o dinheiro do mundo. quero pisar em lugar seguro no meu mundo real e mergulhar em excentricidade, extremos e situações impróprias (bastante impróprias) no meu mundo literário. quero escrever sobre tudo o que não é possível, tudo o que não é correto, tudo o que é abominável mas que combina tão bem com o texto denso.

quem sabe eu ainda consigo obter esses dois mundos.

ouvindo: corbeau - coeur de pirate

domingo, 5 de maio de 2013

fio

se eu me concentrar bastante consigo ir para o outro mundo. para o outro cômodo. às vezes eu gostaria que fosse sempre noite. fresco, silencioso e escuro. certo, com a artificialidade das luzes fluorescentes e milimetricamente espaçadas... que se vê ao longe na avenida... da janela.

hoje fui ver um apê, o rapaz tinha um perfume sofisticado cujo vidro era comprido, achatado verticalmente e clean. vidro fosco e tampa prateada. se eu pedisse para cheirar ia ficar muito estranho, certamente. só olhei e isso foi suficiente. não tinha clima para ficar lembrando de cheiros.

e cá estou, sentada, esquentando as mãos no calor do note. fazendo o que mais gosto nessa vida. viajando no outro mundo e fluindo em letras. estar assim me lembra dele, é como um fio de ariadne que ainda nos une, confortavelmente. um filamento tão fino que só eu enxergo. mas forte como aço. um fio que se estende por alguns poucos quilômetros. e assim eu curto uma solitude em sossego.

domingo à noite. pensando bem, nostalgicamente perfeito.

ouvindo: the phanton's lair - the phantom of the opera

sábado, 27 de abril de 2013

warm and gentle

"you were once my one companion, you were all that mattered
you were once a friend and father, when my world was shattered

wishing you were somehow here again, wishing you were somehow near
sometimes it seemed if i just dreamed, somehow you would be here
wishing i could hear your voice again, knowing that i never would
dreaming of you won't help me to do all that you dreamed i could

passing bells and sculpted angels, cold and monumental
seem, for you, the wrong companions, you were warm and gentle

too many years fighting back tears, why can't the past just die?

wishing you were somehow here again, knowing we must say goodbye
try to forgive, teach me to live, give me the strength to try

no more memories, no more silent tears
no more gazing across the wasted years
help me say goodbye"

essa é uma das músicas mais bonitas entre todas as músicas que existem. porque está num contexto. um contexto bonito, apaixonante, triste e complexo. christine está sozinha, pensando em tudo aquilo e conversando com ela mesma. e durante toda a ópera é exatamente nesse momento, nessa música, que fica claro que ela gostava sim, do fantasma.

traduzindo por mim mesma...

você uma vez foi a minha companhia, você era tudo o que importava. você uma vez foi um amigo e pai, quando meu mundo estava destruído. gostaria que, de alguma forma você estivesse aqui novamente... gostaria que, de alguma forma, você estivesse perto. às vezes parece que, se eu só sonhei, de alguma forma você estaria aqui ainda. gostaria de ouvir sua voz novamente, sabendo que isso nunca aconteceria. pensar em você não vai me ajudar em tudo aquilo que sonhei em fazer. sinos e anjos esculpidos são tão frios e monumentais, parecem a companhia errada pra você, você era acolhedor e gentil. tantos anos evitando as lágrimas, por que o passado não pode simplesmente morrer? gostaria que você estivesse aqui, de alguma forma, mesmo sabendo que devemos dizer adeus. tente perdoar, me ensine a viver, me dê forças para tentar. sem mais memórias, sem mais lágrimas silenciosas. sem mais rever os anos perdidos. me ajude a dizer adeus.

ouvindo: wishing you were somehow here again - the phantom of the opera

sexta-feira, 19 de abril de 2013

erva daninha

carrie tinha uma tatuagem de erva daninha disfarçada de tribal. quer dizer, virava erva daninha só no pico da sua fúria extrema, a planta crescia e percorria todo seu corpo. era uma fleuma intensa e vigorosa alimentada pelo coraçãozinho. é, o coraçãozinho da tatuagem tribal. tatuado na superfície da pele e no âmago da alma. sei bem como cresce uma erva daninha. é do mesmo tipo que cresce no hulk. impregna tanto o rapaz hulk que ele fica da cor da planta. e com a força de oitenta tratores.

é algo incontrolável e forte. e poderoso. não tem como não se encantar com tudo isso, ainda mais quem gosta do intenso. mas talvez nem seja questão de encantar ou não. é apenas algo irritavelmente incontrolável que afeta os fleumáticos e pronto.

a gente fica puto. tudo fica parcialmente desfocado e queremos queimar tudo num raio de dois quilômetros.

só mesmo um jardineiro gentil e amoroso para aproximar-se de uma erva daninha queimante. pessoas-erva-daninha precisam de jardineiros amáveis. por outro lado, jardineiros amáveis precisam de ervas daninhas. simbiose.

é a simbiose curando o parasitismo. e assim estabelecemos o equilíbrio.

ouvindo: one simple idea - inception (hans zimmer)

quinta-feira, 18 de abril de 2013

manteiga

e então ela ouviu algo que parecia manteiga para o seu pão. deslizava e tinha um gosto bom. a primeira impressão não é necessariamente a que fica, mas neste caso ficou sim. no meio do expediente as coisas precisam ser feitas com certa agilidade, ainda assim há a possibilidade de fazer uma pausa instantânea e quase imperceptível de uns vinte segundos, para contemplar aquela coisa suave que escorria para dentro dos seus ouvidos. era schubert. tinha sido paixão à primeira escuta. ágil como era, no seu retorno pra casa consultou em privacidade um expert em assuntos relacionados à todas essas coisas, o doutor google. alegre e radiante, encomendou ao bit torrent um bom pedaço daquela manteiga, mais precisamente nove giga de schubert, entregue aos poucos através do bit torrent. ela não via a hora de apreciar algo tão gostoso.

ouvindo: impromptu - schubert

quarta-feira, 10 de abril de 2013

escolha

por que eu lembro tão bem daquele dia? quando eu disse a ele que queria ser admirada. e ele disse algo como "você é legal, sabe pôr agulhas e ajuda as pessoas". só isso. claro, um cara assim merece encontrar uma moça mais admirável do que isso. com outros atributos e outros valores. não eu. seria um desperdício de mim. eu acho que ele admirava mulheres cujo corpo, quanto mais tatuagem melhor.

e então eu fui pra um lado e ele foi pro outro. fui buscar admiração em outro lugar, fui ficar na minha, na verdade. esperar o acaso fazer a sua parte. e aí me deparo com um empecilho até então desconhecido. a admiração.

não acho que seja praga daquele... daque... enfim. eu quis admiração e não perguntei o preço disso. não sai barato. eu não esperava pagar esse tipo de coisa com o coração. com esse tipo de dor, dor no coração.

eu não me preocupo quando sou a pessoa que saio machucada, sempre fico bem no fim das contas. ah eu gosto do trágico e admito que quando o trágico me aparece bem de perto... isso também tem um gosto bom. mas quando eu preciso causar dor e tragédia a outra pessoa... e quando isso é inevitável... eu não consigo dormir.

inevitável. "se tiver que fazer mal, deixe que eu fico com essa parte". mas dessa vez não dá pra engolir o golpe pra mim. isso dá um certo desespero. mas a gente tem que andar pra frente.

qualquer escolha tem o lado negativo impregnado.

eu sei. eu pago por isso também.

ouvindo: place de la republique - coeur de pirate

terça-feira, 26 de março de 2013

densidades

foi-se o tempo de tremer como vara verde.

atualmente tremer é algo inviável. não há essa possibilidade. tremer é expor medo e nenhum bicho selvagem deve fazer isso. a selva anda perigosa e o tremor impede qualquer tentativa de blefe, coisa tão necessária pra nossa sobrevivência. vamos tremer pra dentro e então tudo bem.

essa coisa de ser vara verde. já diziam os sábios, aqueles que são maleáveis vão além. são como líquidos que se adaptam aos recipientes trazidos ao acaso pela vida. algo que seria complicado para um parrudo volume sólido. o problema de ser líquido é que sempre há a dependência de um compartimento. pode ser uma garrafa elegante de formato agradável. pode ser um pote sujo. pode ser tanta coisa que tremo só de pensar. não. tremer não.

ser líquido. ser vara verde. ser maleável, adaptável, fluido e macio. agir conforme o compartimento. agir conforme o vento. sei não.

sabe, o líquido nunca percebe o impacto de um soco porque ele abraça a mão que soca. bonita atitude do gentil líquido. uma vara verde não recebe o impacto da porrada porque inclina o corpo todo num esforço de não atritar muito com a mão que bate. gentil também.

ainda bem que não somos todos moles. a vida precisa de uma variedade de texturas e densidades. podemos ser vara verde hoje e pedra dura amanhã. podemos ser garrafa de vidro hoje, água amanhã.

que bonita é essa variedade contrastada.

ouvindo: a thousand years - christina perri

quinta-feira, 14 de março de 2013

luvas vermelhas

primeiro ela levanta a cabeça. sai da posição de guarda. afasta as luvinhas vermelhas do rosto, abaixa as mãos. depois, puxa cada uma delas e as tira. são lindas luvas de boxe com elástico no punho, ela comprou assim porque são mais fáceis de vestir do que aquelas de velcro. e são também mais fáceis de tirar.

como boa escoteira, ergue a mão esquerda na altura do cotovelo para cumprimentá-lo. oras, todos sabem que os escoteiros cumprimentam com a mão esquerda porque simbolicamente estão largando no chão o escudo. antigamente eles seguravam os escudos com o braço esquerdo.

confio em você.

aí vem um vento e despenteia o cabelo dela. ainda com a mão esquerda junto à dele e os olhos fixos nos dele como um animal mamífero fofinho da selva, ela tira o cabelo voante do rosto.

a cena é perfeita e o filme acaba aí. é uma saga, entende? ainda tem a continuação. ela não apenas confia nele, ela gosta dele. apesar de ser desconfortável largar no chão todo o equipamento, as luvas vermelhas, o escudo, ela está em paz.

ouvindo: mi libre canción - laura pausini (e juanes)

terça-feira, 12 de março de 2013

zona de conforto

um litro de café americano na caneca de ursinho. o quanto bastar de esteira até completar três quilômetros. dormir com iphone numa mão, lapiseira na outra e livro na barriga. acordar com iphone na barriga, lapiseira nas costas e livro na mão. ouvir t.a.t.u. em dias difíceis. tirar foto do cão em pé, do cão sentado e do cão deitado. assistir vídeos de longboard no youtube. imaginar situações utópicas. iboo branco. iphone dentro do chowan de plástico enquanto tomo banho. cantar shiver do coldplay enquanto tomo banho. comer um pouco de gohan só por causa do umeboshi. conversar com cadernos. zona de conforto. dormir com fones de ouvido. acordar com fones de ouvido. acordar com iphone na barriga.

ouvindo: stars - t.a.t.u.

sábado, 9 de março de 2013

geração

a minha geração está na beira da piscina fazendo um churrasco. naquele sítio alugado, eles juntaram uns vinte, trinta negos e fizeram caravana. eles usam bermudas pretas e elas estão com pouca roupa. não são pessoas magras, sabe como é. mas têm a pele firme, a barriguinha é saliente e pula um pouco por cima do biquíni. nada de mais. oras, o importante é que está tocando ian van dahl.

eu não sei qual é o assunto. já fui em tantas dessas e não me lembro do que eles falavam. devia ser algo nostálgico do tempo do colegial, as baladas japas, o clube sírio, a mansão calipso, eu sei lá o que mais.

sabe, eu não sou daqui. eu componho o cenário apenas, um personagem secundário e volumoso. e irrelevante. quase uma voyeur. graças a deus tenho cigarros; troço sociável quando uso para tal finalidade, troço isolante quando me afasto uns oito metros daquele povo todo. graças a deus temos vodca, pois cigarro é um troço sociável mas não faz milagres comigo. só mesmo vodca.

claro que temos que ser sociáveis, viemos todos de carona uns com os outros e estamos dormindo todos no chão da sala. enquanto o sol mostra as caras toda interação é penosa, nessa época já era mais fácil fazer amizade com os livros.

o tempo passa e é bem mais agradável tomar vento no rosto quando estamos nós mesmos com as mãos no volante. estou sozinha no carro, a avenida paulista parece um tapete. daquela época sobrou ian van dahl, lasgo e etc. daquela época sobrou tomar vento fresco noturno.

mais tempo passa e o que restou foi as mãos no volante. nada de vento noturno, nada de lasgo. nada de vodca ou cigarro. piano é legal, antena um é legal. o som do carro é limpo, instalei uma entrada de pen drive pra ouvir uma pegada mais unplugged. eu volto pra casa às dezenove horas e o vento ainda não esfriou.

e a minha geração está lá na beira da piscina. fazendo um churrasco.

ouvindo: castles in the sky - lasgo

sexta-feira, 8 de março de 2013

a sala

três posts em um dia. o que é isso? estava tudo tão tranquilo, eu não tinha essa ânsia de falar. por que você foi mexer?

menina vira autista e começa a conversar com amigo imaginário, em um lugar bonito que ela desenhou. tem uma parede inteira de prateleiras, com livros que ela conhece e uns que ela não conhece. os que ela conhece são dela. no cantinho, lá no chão mesmo tem um iboo vermelho. há, tem um iphone em cima do iboo, provavelmente é dela. está tocando aquela lista de doze noturnos do chopin, o frederico. para ficar perfeito ela olha para a tela e o noturno que está impregnando o ar é o nocturne n°2.

a sala tem um cheiro de doce, aqueles doces que vão canela em cima. canela é legal, traz um toque de festa junina, isso quebra um pouco a seriedade do piano. canela e piano, não tem como sentir tristeza nessa sala. há paz.

está frio mas tudo bem, temos carpete. eu sei, soa um pouco piegas ter um carpete nesse cenário. mas tem, fazer o quê... é do jeito que é. o carpete é fofinho como um coelho gigante esparramado. ela conversa com o amigo imaginário, eles estão falando sobre... eu não sei ao certo, mas é um assunto engraçado.

a roupa dela é de nylon, da adidas. a dele é de moletom. não que essas coisas tenham alguma importância.

ela cai de sono, ou vai ver que é só a impressão que dá ao estar num lugar platônico, conversando com o melhor amigo, o que também é algo bem platônico. de qualquer forma, ela foge do mundo e vai pra lá. e o tempo passa voando.

o nome do amigo é meio vago, ainda não sabemos ao certo como chamá-lo. ele ainda não tem um apelido. mas ela sabe muito bem quem ele é.

ouvindo: looking for you - yoyo ma

pneu

não resisti. o diálogo da família dos tonarís:

- tem um carro parado aí na frente!
- de quem é? se não for do teté eu vou furar o pneu!
- não faz isso, você vai preso.
- que? eu vou ficar sem o vovô, não quero que a polícia te prende, buáaaaa.
- a polícia não vai prender o vovô, só vou esvaziar o pneu.

ouvindo: o pouco que sobrou - los hermanos

vento

"eu não vou mudar não, eu vou ficar são, mesmo se for só... não vou ceder. deus vai dar aval sim, o mal vai ter fim. e no final assim calado eu sei que vou ser coroado rei de mim" (los hermanos)

deu tanto trabalho escalar esse monte. o silêncio do vento preenche um oco que não sei se é da cabeça ou do coração. não vou descer. foi tão penoso acostumar-me a comer carboidratos de baixo índice glicêmico. deu tanto trabalho endurecer a musculatura, deu tanto trabalho aprender a viver só. não quero amolecer, não quero baixar a guarda.

é claro que eu gosto de croissant, claro que eu gosto de um sofá, gosto de construções sólidas de alvenaria que barram o vento que me despentearia. claro que eu gosto de companhia.

sabe... esse vento... combina com um café amargo.

estou pensando em comprar uma daquelas jaquetas corta-vento, são muito práticas para quando o clima está assim. talvez eu aproveite e compre também uma mochila mais resistente e maior. pra eu poder prolongar a caminhada.

ouvindo: de onde vem a calma - los hermanos

quarta-feira, 6 de março de 2013

selvagem

o cão abaixa as orelhas, não entende o que nem por que, mas entende o que é feio e o que é bonito para o comportamento canino doméstico. vai por tentativa. no acerto tudo é festa, ele nem liga de depender do critério humano para isso. no erro ele se redime, a reprovação corta mais que faca, o sangue que brota é invisível e certamente não há alarde nenhum para algo que não se enxerga.

estou nas suas mãos. não sei o que fazer.

três por cento de singularidade. foi o que o cão encontrou vasculhando seus pensamentos, arquivos, pastas, valores e feridas. oras, parece pouco, mas se plantar e regar, vinga. é uma quantidade forte e compacta, do jeito que tem que ser.

vem me bater. porque cicatrizes engrossam minha pele, e eu preciso disso. vem me agradar. porque eu preciso treinar como dizer não. gostoso é ver a musculatura desenvolvendo. um dia, dois dias de sacrifício. dez, noventa. se fosse fácil todos seriam fortes. mas sabe de uma coisa? o processo é penoso e com o passar do tempo passa a ser agradável. e depois passa a ser necessário.

estou sobre as minhas patas. ninguém me segura.

há quem tenha dó dos que andam sozinhos. eles nem imaginam. eu sou selvagem. eu não era, hoje sou. os três por cento multiplicaram-se como uma praga irremediável e agora beiram os setenta. ainda bem, porque tenho mais trinta para crescer e anseio por isso.

tudo tem um preço. os lugares por onde ando são mais frios. as minhas melhores conversas são com cadernos. compaixão e empatia são coisas estranhas, ainda dói ver dor ao sair andando. mas estou seguindo a minha natureza e é isso o que vou continuar fazendo.

ouvindo: this is where i belong - spirit soundtrack

terça-feira, 5 de março de 2013

vidrinho

achei. 10 de outubro de 2012. será que era dele que eu estava falando? ah só pode ser. pelo conteúdo do texto, só pode ser. mas... outubro? procurei por isso em janeiro, não lembrava se era 2012 ou 2011. minha cabeça fez um nó e eis uma coincidência interessante: por acaso estou ouvindo run free. como no post de 10 de outubro.

sim, e daí?

não é qualquer um que chega perto sem eu ter vontade de sair correndo. ainda bem que eu deixei isso anotado. epifanias brotam dos bueiros como targarugas ninjas neste momento. tudo combina, é tão legal que eu deixo quieto.

como um vidrinho de perfume que eu abro, cheiro e guardo. de vez em quando... e com cada vez mais frequência. vamos levando algumas coisas sem perceber. ele sempre está lá, não?

carrego sem querer e quando me dou conta, estou cheirando cada vez mais esse cara.

ouvindo: run free - spirit soundtrack

domingo, 3 de março de 2013

magenta

todos nascem cobertos com tinta fresca. essas tintas são especiais e nunca secam, tudo foi bem projetado quimicamente.

quando encostamos em alguém, seja fazendo carinho ou dando um tapão, pincelamos o outro com a nossa tinta. eu, por exemplo, sou magenta puro. uma mistura de partes iguais de vermelho e azul. o vermelho é meu quente, meu feminino. o azul é meu frio, minha dureza. magenta. partes iguais.

vou andando pra frente. vou esbarrando nos outros. vão esbarrando em mim. vou me colorindo e a pintura torna-se aleatoriamente bela.

mas é magenta a minha cor base. eu sou um touro produzindo magenta loucamente, andando pra frente e só pra frente, sem parar. jogando tinta nos olhos dos desavisados, manchando suas bochechas. mas sabe, o importante é que estou lá. estive lá. cor vai de gosto. cada um vai descrever o magenta da forma que bem entender.

ouvindo: veja bem meu bem - los hermanos

domingo, 17 de fevereiro de 2013

em silêncio

ele pode bater na sua cara, socar suas costelas, chutar seu joelho, torcer o seu braço, dar uma gravata em você. e ainda se justificar ao fazer tudo isso. a lábia dele pode te convencer de que você esteve errada, malvada, que o seu comportamento foi péssimo e que você precisou de um corretivo.

você pode ter ficado chateada por não ter respondido à altura desde a primeira vez que ele te testou (sim, ele te testou, naturalmente). é incômoda a sensação de ter deixado tudo chegar a esse ponto. mas, veja bem, você hoje enxerga a situação.

em silêncio você foi se preparando, foi se atentando a cada detalhe, estudando cada movimento, aprendendo novas técnicas para abordagens futuras.

ele pode te bater. mas agora você sabe usar um canivete. só se defende quem é atacado, e então você não ataca. nunca. dá a entender que ele não precisa defender-se de você. e na hora certa a lâmina dura entra na carne macia. o lugar certo, a virilha. você sabe girar o canivete.

o silêncio que era só seu agora também é dele. o que vem aos poucos fortalece. o que vem de repente... pode acabar derrubando, não?

ouvindo: let down - christopher o'riley

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

inferno

o mandato começou em 2010. conheci alguém que me levou até o hall do inferno. gostei disso. em 2011 vomitei sangue e em 2012 fiquei quieta. bom, de novembro em diante passei a rir disso. a tragédia é um buraco negro tão engraçado, se você chegar bem perto vai começar a rir, inevitavelmente. tudo isso é um ótimo preparo para 2013. força, loucura e ódio em bom tamanho, coisa que só se adquire com o tempo. esse ano eu me transformo em uma bola de energia devastadora, que queima quem encostar com más intenções. queima e ri.