terça-feira, 26 de março de 2013

densidades

foi-se o tempo de tremer como vara verde.

atualmente tremer é algo inviável. não há essa possibilidade. tremer é expor medo e nenhum bicho selvagem deve fazer isso. a selva anda perigosa e o tremor impede qualquer tentativa de blefe, coisa tão necessária pra nossa sobrevivência. vamos tremer pra dentro e então tudo bem.

essa coisa de ser vara verde. já diziam os sábios, aqueles que são maleáveis vão além. são como líquidos que se adaptam aos recipientes trazidos ao acaso pela vida. algo que seria complicado para um parrudo volume sólido. o problema de ser líquido é que sempre há a dependência de um compartimento. pode ser uma garrafa elegante de formato agradável. pode ser um pote sujo. pode ser tanta coisa que tremo só de pensar. não. tremer não.

ser líquido. ser vara verde. ser maleável, adaptável, fluido e macio. agir conforme o compartimento. agir conforme o vento. sei não.

sabe, o líquido nunca percebe o impacto de um soco porque ele abraça a mão que soca. bonita atitude do gentil líquido. uma vara verde não recebe o impacto da porrada porque inclina o corpo todo num esforço de não atritar muito com a mão que bate. gentil também.

ainda bem que não somos todos moles. a vida precisa de uma variedade de texturas e densidades. podemos ser vara verde hoje e pedra dura amanhã. podemos ser garrafa de vidro hoje, água amanhã.

que bonita é essa variedade contrastada.

ouvindo: a thousand years - christina perri

quinta-feira, 14 de março de 2013

luvas vermelhas

primeiro ela levanta a cabeça. sai da posição de guarda. afasta as luvinhas vermelhas do rosto, abaixa as mãos. depois, puxa cada uma delas e as tira. são lindas luvas de boxe com elástico no punho, ela comprou assim porque são mais fáceis de vestir do que aquelas de velcro. e são também mais fáceis de tirar.

como boa escoteira, ergue a mão esquerda na altura do cotovelo para cumprimentá-lo. oras, todos sabem que os escoteiros cumprimentam com a mão esquerda porque simbolicamente estão largando no chão o escudo. antigamente eles seguravam os escudos com o braço esquerdo.

confio em você.

aí vem um vento e despenteia o cabelo dela. ainda com a mão esquerda junto à dele e os olhos fixos nos dele como um animal mamífero fofinho da selva, ela tira o cabelo voante do rosto.

a cena é perfeita e o filme acaba aí. é uma saga, entende? ainda tem a continuação. ela não apenas confia nele, ela gosta dele. apesar de ser desconfortável largar no chão todo o equipamento, as luvas vermelhas, o escudo, ela está em paz.

ouvindo: mi libre canción - laura pausini (e juanes)

terça-feira, 12 de março de 2013

zona de conforto

um litro de café americano na caneca de ursinho. o quanto bastar de esteira até completar três quilômetros. dormir com iphone numa mão, lapiseira na outra e livro na barriga. acordar com iphone na barriga, lapiseira nas costas e livro na mão. ouvir t.a.t.u. em dias difíceis. tirar foto do cão em pé, do cão sentado e do cão deitado. assistir vídeos de longboard no youtube. imaginar situações utópicas. iboo branco. iphone dentro do chowan de plástico enquanto tomo banho. cantar shiver do coldplay enquanto tomo banho. comer um pouco de gohan só por causa do umeboshi. conversar com cadernos. zona de conforto. dormir com fones de ouvido. acordar com fones de ouvido. acordar com iphone na barriga.

ouvindo: stars - t.a.t.u.

sábado, 9 de março de 2013

geração

a minha geração está na beira da piscina fazendo um churrasco. naquele sítio alugado, eles juntaram uns vinte, trinta negos e fizeram caravana. eles usam bermudas pretas e elas estão com pouca roupa. não são pessoas magras, sabe como é. mas têm a pele firme, a barriguinha é saliente e pula um pouco por cima do biquíni. nada de mais. oras, o importante é que está tocando ian van dahl.

eu não sei qual é o assunto. já fui em tantas dessas e não me lembro do que eles falavam. devia ser algo nostálgico do tempo do colegial, as baladas japas, o clube sírio, a mansão calipso, eu sei lá o que mais.

sabe, eu não sou daqui. eu componho o cenário apenas, um personagem secundário e volumoso. e irrelevante. quase uma voyeur. graças a deus tenho cigarros; troço sociável quando uso para tal finalidade, troço isolante quando me afasto uns oito metros daquele povo todo. graças a deus temos vodca, pois cigarro é um troço sociável mas não faz milagres comigo. só mesmo vodca.

claro que temos que ser sociáveis, viemos todos de carona uns com os outros e estamos dormindo todos no chão da sala. enquanto o sol mostra as caras toda interação é penosa, nessa época já era mais fácil fazer amizade com os livros.

o tempo passa e é bem mais agradável tomar vento no rosto quando estamos nós mesmos com as mãos no volante. estou sozinha no carro, a avenida paulista parece um tapete. daquela época sobrou ian van dahl, lasgo e etc. daquela época sobrou tomar vento fresco noturno.

mais tempo passa e o que restou foi as mãos no volante. nada de vento noturno, nada de lasgo. nada de vodca ou cigarro. piano é legal, antena um é legal. o som do carro é limpo, instalei uma entrada de pen drive pra ouvir uma pegada mais unplugged. eu volto pra casa às dezenove horas e o vento ainda não esfriou.

e a minha geração está lá na beira da piscina. fazendo um churrasco.

ouvindo: castles in the sky - lasgo

sexta-feira, 8 de março de 2013

a sala

três posts em um dia. o que é isso? estava tudo tão tranquilo, eu não tinha essa ânsia de falar. por que você foi mexer?

menina vira autista e começa a conversar com amigo imaginário, em um lugar bonito que ela desenhou. tem uma parede inteira de prateleiras, com livros que ela conhece e uns que ela não conhece. os que ela conhece são dela. no cantinho, lá no chão mesmo tem um iboo vermelho. há, tem um iphone em cima do iboo, provavelmente é dela. está tocando aquela lista de doze noturnos do chopin, o frederico. para ficar perfeito ela olha para a tela e o noturno que está impregnando o ar é o nocturne n°2.

a sala tem um cheiro de doce, aqueles doces que vão canela em cima. canela é legal, traz um toque de festa junina, isso quebra um pouco a seriedade do piano. canela e piano, não tem como sentir tristeza nessa sala. há paz.

está frio mas tudo bem, temos carpete. eu sei, soa um pouco piegas ter um carpete nesse cenário. mas tem, fazer o quê... é do jeito que é. o carpete é fofinho como um coelho gigante esparramado. ela conversa com o amigo imaginário, eles estão falando sobre... eu não sei ao certo, mas é um assunto engraçado.

a roupa dela é de nylon, da adidas. a dele é de moletom. não que essas coisas tenham alguma importância.

ela cai de sono, ou vai ver que é só a impressão que dá ao estar num lugar platônico, conversando com o melhor amigo, o que também é algo bem platônico. de qualquer forma, ela foge do mundo e vai pra lá. e o tempo passa voando.

o nome do amigo é meio vago, ainda não sabemos ao certo como chamá-lo. ele ainda não tem um apelido. mas ela sabe muito bem quem ele é.

ouvindo: looking for you - yoyo ma

pneu

não resisti. o diálogo da família dos tonarís:

- tem um carro parado aí na frente!
- de quem é? se não for do teté eu vou furar o pneu!
- não faz isso, você vai preso.
- que? eu vou ficar sem o vovô, não quero que a polícia te prende, buáaaaa.
- a polícia não vai prender o vovô, só vou esvaziar o pneu.

ouvindo: o pouco que sobrou - los hermanos

vento

"eu não vou mudar não, eu vou ficar são, mesmo se for só... não vou ceder. deus vai dar aval sim, o mal vai ter fim. e no final assim calado eu sei que vou ser coroado rei de mim" (los hermanos)

deu tanto trabalho escalar esse monte. o silêncio do vento preenche um oco que não sei se é da cabeça ou do coração. não vou descer. foi tão penoso acostumar-me a comer carboidratos de baixo índice glicêmico. deu tanto trabalho endurecer a musculatura, deu tanto trabalho aprender a viver só. não quero amolecer, não quero baixar a guarda.

é claro que eu gosto de croissant, claro que eu gosto de um sofá, gosto de construções sólidas de alvenaria que barram o vento que me despentearia. claro que eu gosto de companhia.

sabe... esse vento... combina com um café amargo.

estou pensando em comprar uma daquelas jaquetas corta-vento, são muito práticas para quando o clima está assim. talvez eu aproveite e compre também uma mochila mais resistente e maior. pra eu poder prolongar a caminhada.

ouvindo: de onde vem a calma - los hermanos

quarta-feira, 6 de março de 2013

selvagem

o cão abaixa as orelhas, não entende o que nem por que, mas entende o que é feio e o que é bonito para o comportamento canino doméstico. vai por tentativa. no acerto tudo é festa, ele nem liga de depender do critério humano para isso. no erro ele se redime, a reprovação corta mais que faca, o sangue que brota é invisível e certamente não há alarde nenhum para algo que não se enxerga.

estou nas suas mãos. não sei o que fazer.

três por cento de singularidade. foi o que o cão encontrou vasculhando seus pensamentos, arquivos, pastas, valores e feridas. oras, parece pouco, mas se plantar e regar, vinga. é uma quantidade forte e compacta, do jeito que tem que ser.

vem me bater. porque cicatrizes engrossam minha pele, e eu preciso disso. vem me agradar. porque eu preciso treinar como dizer não. gostoso é ver a musculatura desenvolvendo. um dia, dois dias de sacrifício. dez, noventa. se fosse fácil todos seriam fortes. mas sabe de uma coisa? o processo é penoso e com o passar do tempo passa a ser agradável. e depois passa a ser necessário.

estou sobre as minhas patas. ninguém me segura.

há quem tenha dó dos que andam sozinhos. eles nem imaginam. eu sou selvagem. eu não era, hoje sou. os três por cento multiplicaram-se como uma praga irremediável e agora beiram os setenta. ainda bem, porque tenho mais trinta para crescer e anseio por isso.

tudo tem um preço. os lugares por onde ando são mais frios. as minhas melhores conversas são com cadernos. compaixão e empatia são coisas estranhas, ainda dói ver dor ao sair andando. mas estou seguindo a minha natureza e é isso o que vou continuar fazendo.

ouvindo: this is where i belong - spirit soundtrack

terça-feira, 5 de março de 2013

vidrinho

achei. 10 de outubro de 2012. será que era dele que eu estava falando? ah só pode ser. pelo conteúdo do texto, só pode ser. mas... outubro? procurei por isso em janeiro, não lembrava se era 2012 ou 2011. minha cabeça fez um nó e eis uma coincidência interessante: por acaso estou ouvindo run free. como no post de 10 de outubro.

sim, e daí?

não é qualquer um que chega perto sem eu ter vontade de sair correndo. ainda bem que eu deixei isso anotado. epifanias brotam dos bueiros como targarugas ninjas neste momento. tudo combina, é tão legal que eu deixo quieto.

como um vidrinho de perfume que eu abro, cheiro e guardo. de vez em quando... e com cada vez mais frequência. vamos levando algumas coisas sem perceber. ele sempre está lá, não?

carrego sem querer e quando me dou conta, estou cheirando cada vez mais esse cara.

ouvindo: run free - spirit soundtrack

domingo, 3 de março de 2013

magenta

todos nascem cobertos com tinta fresca. essas tintas são especiais e nunca secam, tudo foi bem projetado quimicamente.

quando encostamos em alguém, seja fazendo carinho ou dando um tapão, pincelamos o outro com a nossa tinta. eu, por exemplo, sou magenta puro. uma mistura de partes iguais de vermelho e azul. o vermelho é meu quente, meu feminino. o azul é meu frio, minha dureza. magenta. partes iguais.

vou andando pra frente. vou esbarrando nos outros. vão esbarrando em mim. vou me colorindo e a pintura torna-se aleatoriamente bela.

mas é magenta a minha cor base. eu sou um touro produzindo magenta loucamente, andando pra frente e só pra frente, sem parar. jogando tinta nos olhos dos desavisados, manchando suas bochechas. mas sabe, o importante é que estou lá. estive lá. cor vai de gosto. cada um vai descrever o magenta da forma que bem entender.

ouvindo: veja bem meu bem - los hermanos